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Em Goiás, 23 mil crianças foram registradas sem nome do pai em 5 anos

O projeto ‘O Meu Pai Tem Nome’ visa atender demandas abrangentes, desde falta de conhecimento a pais biológicos até inclusão de maternidade e paternidade socioafetiva

Para auxiliar as famílias no processo de registro de filiação, a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), por meio de uma campanha promovida por todo país, promoveu, na manhã deste sábado (12), o Dia D do projeto Meu Pai Tem Nome no estado. A campanha realiza mediações para que as famílias sejam atendidas pelos servidores públicos e solucionem conflitos envolvendo a regularização do registro de seus filhos. Em Goiás, 23.903 crianças foram registradas sem nome do pai nos últimos 5 anos.

Desse modo, as sessões extrajudiciais que esclareçam as etapas desse processo. A iniciativa é do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), e os cidadãos que recorreram à campanha com os documentos pessoais em mãos puderam ter os seus termos de filiação assinados e encaminhados ao cartório público competente, concluindo a situação que impede esse registro, seja ela qual for. 

Os pontos de atendimento foram na unidade da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) em Aparecida de Goiânia, nos Núcleos de Prática Jurídicas da Faculdade de Inhumas (FacMais), Universidade Federal de Goiás (Campus Goiás) e UniFasam, em Goiânial. Mais de 300 pessoas se inscreverem no projeto, resultando no agendamento de 60 sessões de mediação. 

O Vice-presidente do Conselho Nacional dos Defensores Públicos-Gerais (Condege) e defensor-geral do Estado de Goiás, Domilson Rabelo da Silva Júnior, diz que a proposta oferece acesso à justiça integral e de forma gratuita, além de ser uma garantia do exercício de cidadania que traz dignidade aos pais e filhos. "É uma expressão que a sociedade pode, de forma consensual, extrajudicial, solucionar diversas demandas e evitar conflitos, ainda mais nas relações familiares", acredita.

Júnior acrescenta que uma das principais dificuldades do registro de filiação é o acesso à informação, consequentemente criando uma barreira para o acesso ao serviço público e a campanha trata de distribuir esse esclarecimento. O Meu Pai Tem Nome nasceu em 2019 em Goiás. Naquele ano, 5% (4.795) dos nascidos no estado foram registrados somente com o nome materno. Em 2021, segundo a Arpen-Brasil, 4.673 bebês goianos foram registrados sem vínculo paterno, o que fez Goiás ocupar a 18ª colocação no ranking (5,90%).

Além de reconhecimento de origens biológicas para pessoas de todas as idades, que podem ser feitas, inclusive, através da realização de exames de DNA de forma gratuita, por meio da parceria entre a DPE-GO e a Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), o Dia D do projeto Meu Pai Tem Nome fará atendimentos abrangentes possibilitado pela Defensoria Pública. Sendo assim, as demandas de paternidade e maternidade socioafetivas, incluindo casais homoafetivos, processos de adoção, multiparentalidade e reconhecimento de paternidade/maternidade pós-morte - comum ao cenário pandêmico, serão integradas à campanha. 

Somente em Goiás, mesmo em contexto de pandemia, 411 pessoas foram atendidas no projeto, em 152 demandas. Foram 108 demandas por reconhecimento de vínculo biológico (71,05%), 44 por reconhecimento de vínculo socioafetivo/adoção (28.94%), 16 por reconhecimento de multiparentalidade (10.52%), 40 em que foi necessário o exame de DNA (26.31%), 17 por reconhecimento post mortem (11,18%), 13 em que um dos interessados encontrava-se em situação de privação de liberdade como unidade prisional, socioeducativa, internação hospitalar, comunidade terapêutica etc. (8,55%) e 13 casos sem acordo (por ausência de participação de uma das partes ou falta de conciliação).

Dupla Maternidade

Com o sonho de serem mães, a técnica de enfermagem Priscila Santos Ferreira, de 30 anos, e sua esposa Kelle Rose Rodrigues Brancom de 36 anos, enfrentaram dificuldades no registro do seu filho, atualmente com um ano de idade, fruto de uma inseminação caseira e muito desejo em seus corações. Por não terem um laudo médico com elas quando foram realizar a filiação no cartório, foram informadas que o menino só poderia ser registrado com o nome de uma das mães.

“Foi bem frustrante, porque nós estávamos juntas, foi um sonho que sonhamos juntas, ela acompanhou cada passo da minha gravidez, cada coisa que eu sentia, ela sentia comigo” relata Priscila. Decepcionadas com o resultado, o casal buscou a Defensoria Pública da cidade em que vivem, Senador Canedo, na região metropolitana de Goiânia, mas não receberam orientações corretas do que deveria ser feito. "Era tudo muito absurdo para eles", afirma a mãe.

A técnica de enfermagem conta que um dos servidores chegou a sugerir colocar o nome do pai na certidão da criança, mas mesmo com ela explicando que não há um pai e, sim, um doador, não houve garantia que o registro seria feito de maneira adequada, em que incluía a dupla maternidade de forma socioafetiva. 

Outro fator que interferiu no registro de filiação no meio do processo sem aviso prévio, segundo Priscila, foi que o casal atingiu o teto máximo de renda, já que ambas estavam somando três empregos, por isso, a Defensoria Pública não cobriria a ação. "Eles simplesmente encerraram nosso processo, sem avisar nada, e nos informaram que teríamos que esperar de 6 meses a 1 ano para tentar de novo", relembra Priscila. 

Um ano se passou sem o registro duplo na certidão da criança e muitas mudanças ocorreram, a técnica de enfermagem entrou em um tratamento contra câncer de mama e sua esposa precisou sair do trabalho para cuidar dela e de seu filho. Agora, o casal recebe um momento de esperança com a campanha do dia D, depois de tantas dificuldades, "meus olhos encheram de lágrimas, me emocionei muito, falei para minha esposa que era nossa chance, Deus tá dando uma oportunidade para gente", afirma. 

Ao POPULAR, Priscila diz que espera poder enfim registrar o seu filho com o nome da esposa, Kelle, presente na filiação, e torce para que novas campanhas sejam realizadas para de oferecer oportunidades para várias famílias na regularização do registro dos filhos. “Independentemente de serem duas mães, dois pais, uma mãe e um pai. O importante é a criança ter o amor, ter um bom lar para poder crescer, para se desenvolver", conclui. 

Falta de informação

Quando seu primeiro filho nasceu, a vendedora, de 31 anos, Jéssica Wylla de Oliveira Freitas, não pôde incluir na filiação o nome do pai Leonardo de Souza Borges, o auxiliar de confecção, de 35 anos. O motivo foi a falta de informações que o casal tinha sobre o processo e documentações necessárias, assim, ao chegarem no cartório, descobriram que não seria possível registrar a criança porque o pai não possuía documento com foto.

Posteriormente, quando seu marido conseguiu emitir o documento, eles ainda não conseguiram fazer o registro porque o cartório solicitou um reconhecimento de paternidade cujo valor era de 300 reais. Desde então, o casal manteve o filho mais velho, hoje com 13 anos, apenas com o nome da mãe registrado. “Enfrentamos problemas na creche, na escola, tive que trocar o nome (completo) dele porque não podia colocar o sobrenome do pai sem o registro” conta Jéssica.

Com a informação da campanha da defensoria pública, Jéssica buscou contato para solucionar o problema. "Recebemos o auxílio da Defensoria Pública em relação ao documento do nosso filho, eles foram muito receptivos comigo, me atenderam super bem e fiz tudo pelo WhatsApp, tudo muito fácil, me encaminharam tudo o que eu precisava fazer”, explica a vendedora.

Mesmo com as frustrações vivenciadas pelo casal com a falta de registro, Jéssica estava esperançosa para retirar esse problema da família e ressalta a importância de campanhas como essas para a comunidade. Ela acredita que é uma questão de dignidade e que a informação é necessária para que as pessoas nessa situação saibam que o projeto existe não paguem um valor fora da sua condição para o registro. 

“Procure a Defensoria Pública, porque eles vão ser muito prestativos, eles vão atender muito bem e vão resolver, porque é muito importante, a criança sente e quando for na fase adulta é mais importante ainda, isso [registro] é um reconhecimento pela lei", conclui Jéssica. (Foto: Eduardo Ferreira)