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Pais reclamam de falta de preparo das escolas para alunos PCD

Estudantes com alguma deficiência cognitiva sofrem com pouco apoio pedagógico nas escolas, além da chamada recusa silenciosa na hora de buscar uma matrícula

Alunos com deficiências cognitivas não possuem apoio adequado para o aprendizado nas escolas, segundo pais e responsáveis. Além da recusa silenciosa das unidades em matricular os alunos, os pais relatam que falta preparo na equipe pedagógica, na estrutura e materiais para receber as crianças e adolescentes. Nesse sentido, eles dizem que a inclusão não é realizada de maneira apropriada e o desenvolvimento escolar dos estudantes fica comprometido.

“É uma série de falhas que estão colocando essas crianças como inexistentes, sem aproveitamento do potencial que eles tem”, afirma Hebe Oliveira, mãe de uma adolescente de 17 anos com Síndrome de Down. Durante os últimos anos, Hebe enfrentou o capacitismo em todas as suas formas para proporcionar à filha Germana boas oportunidades de estímulo. Na rede pública de ensino, ela aponta que falta um acompanhamento para explorar as habilidades da filha. “Ela não tem que vir pra escola por vir, eles acham que inclusão é deixar lá para brincar”, desabafa.

A mãe ressalta que as escolas possuem medo de demonstrar que não sabem receber aquele indivíduo, ao invés de se aprimorarem para criar um ambiente inclusivo. Por esse motivo, a filha dela, que já precisou alternar de colégio mais de duas vezes, e atualmente está em uma turma de ensino infantil, apresenta um visível desconforto sobre a situação. “Ela não expressa, mas eu percebo, ela já chegou da escola com ferimento de mordida e beliscão”, diz. De acordo com Hebe, falta ainda um psicólogo nas escolas que saiba orientar os demais alunos a entenderem as diferentes condições de cada um.

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“Não vejo ninguém se movimentando, a gente fica sem saber a quem recorrer, parece que todos estão perdidos”, afirma. A mãe evidencia também que em determinado momento tentou matricular a filha em uma rede particular, mas, para concluir o processo, era necessário acionar a justiça. “Fazem de tudo para desistirmos, como vou colocar na justiça alguém a aceitar uma filha minha?”, questiona. A situação faz com que a mãe se preocupe com o futuro da menina, e busca colocá-la em outras atividades extracurriculares, mas reconhece que muitas famílias não possuem as mesmas condições.

“É muito triste você ver uma criança ou adolescente sem incentivo, aéreos e sem uma direção”, constata. Já a psiquiatra Alessandra Jacob, também mãe de uma adolescente de 16 anos, com transtorno do espectro autista (TEA), reconhece que a filha recebia mais apoio nos anos infantis, com a presença de professores de apoio e materiais adaptados. Moradora de Aparecida de Goiânia, Alessandra destaca que até os anos fundamentais da escola existe a inclusão. Mas ao adentrar a adolescência, o jovem fica mais desamparado, visto ainda que falta a recepção dos outros jovens.

Em fase de crescimento, o pequeno Pedro Davi Rodrigues Martins ainda não enfrenta as adversidades interligadas ao período adolescente. De apenas 5 anos, o estudante da rede municipal de Goiânia, possui uma cuidadora para auxiliá-lo, mas a mãe Gleyce Erica Ferreira Rodrigues avalia que o ideal seria uma professora de apoio, por conseguir proporcionar uma formação pedagógica melhor ao filho. A mulher frisa que não possui dificuldades com os profissionais do colégio e que o filho consegue se incluir entre as crianças. Porém, a estrutura da escola ainda não recebe cuidados.

“O parquinho está todo enferrujado, sujo e bagunçado, e o autista não tem noção do perigo, fico com medo do meu menino se machucar e adoecer”, afirma. Na mesma proporção, Gleyce se queixa da escola não conter a cadeira e mesa adequada para receber o filho. Estrutura que já foi solicitada para a Secretaria Municipal de Educação (SME). “Até agora eles não falaram nada e não resolveram nada”, conclui a mãe.

Especialista defende formação contínua

Michell Pedruzzi Mendes Araújo, doutor em educação e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), luta pela inclusão há 12 anos, e percebe uma lacuna na formação de pedagogia dos profissionais, sendo essa disciplina optativa no curso. Assim, muitos educadores saem da faculdade sem a sensibilização e contato com transtornos, síndromes e deficiências cognitivas. “Quando o professor recebe esse aluno, se vê totalmente despreparado para trabalhar com esse indivíduo”, diz.

Para o profissional, é preciso trabalhar três tópicos a fim de garantir a inclusão do aluno. O professor deve conhecer, planejar e incluir. Ou seja, ao ter contato com um novo aluno PCD, é preciso conhecer as necessidades e as especificidades, para depois desse planejar como abordar o ensino, reconhecendo que cada um tem um nível de suporte diferenciado e será único e, assim, será feita a inclusão. “Não é apenas estar integrando na sala, ocupando a cadeira, todo aluno que a gente recebe em sala de aula é nosso aluno e a gente não é só educador de crianças sem condições”, afirma o professor, sobre a tríade de preparo.

A figura do professor de apoio, então, entra com a importância de permitir uma formação mais sólida ao estudante e é papel do município ou da rede privada oferecer estes profissionais capacitados, segundo Michell. “Não compete ao pai fazer um pagamento extra e por fora”, diz. O sentimento que o colaborador de apoio possui por gostar e se preocupar com a inclusão, em relação a alguns professores regentes regulares que são mais resistentes, faz toda diferença na perspectiva do especialista.

“Alguns alunos têm hipersensibilidade, outros hipossensibilidade, então é fundamental ter outra pessoa que vai pensar em adaptação como um todo”, comenta. Mas é preciso cuidado na abordagem, para não criar uma redoma que o único contato do estudante seja com o professor de apoio, garante Michell.

Em Goiânia, a SME informa que 548 profissionais estão, atualmente, acompanhando integralmente estudantes com Necessidades Educacionais Especializadas. Os colaboradores são direcionados para as unidades onde os estudantes foram matriculados pelos pais e responsáveis. A Secretaria reforça que pela legislação vigente no Brasil, a lei 13.146, determina que esse acompanhamento seja feito por um profissional da área administrativa, e não por um pedagogo.

“O atendimento educacional especializado solicitado pela mãe é realizado, portanto, no contraturno e em unidades com recursos para atender as necessidades dos estudantes”. Neste caso, os atendimentos são realizados nos dois Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis) de Goiânia, em 35 salas de recursos multiprofissionais que estão inclusas na rede, na Apae, no Centro de Orientação Reabilitação e Assistência ao Encefalopata (Corae) e na Pestalozzi.

A médica Alessandra Jacob afirma que a situação de inclusão se agrava para as pessoas com autismo moderado a grave, por precisarem essencialmente de um acompanhamento próximo nas escolas comuns para a adequação de habilidades sociais específicas. “A gente tem que dar ênfase e prioridade ao apoio regular, mas como não tem isso, aí eu concordo com a escola especializada”, diz.

Oito quilômetros. Esta é a distância que as irmãs Valéria Barbosa de Souza, de 51 anos, e Vanuza Barbosa de Souza, de 52, percorrem todos os dias para cuidar de animais abandonados e pessoas em situação de rua. Traçando um caminho solidário, as mulheres buscam melhorar a vida de todos ao redor, sem distinção.

Do marmitex aos sacos de ração, as irmãs fazem o possível para manter a vida em Goiânia alimentada. “Este é o nosso intuito, que nada passe fome na nossa cidade, adultos, crianças e animais”, afirma Valéria.

Valéria e Vanuza vivem atualmente no setor Coimbra e todas as noites vão até a Praça Tamandaré, no setor Oeste, parando em diversos pontos para encherem os potes de ração e água para os cachorros e gatos de rua.

Desde que Vanuza adoeceu há 30 anos e teve uma lesão cerebral que a impossibilitou de continuar trabalhando de carteira assinada, Valéria, que vivia na Espanha, retornou ao Brasil para cuidar da irmã e se dedicar ao que ela mais se importava em fazer: a solidariedade.

“Minha irmã é muito do bem, o que ela mais gosta é ajudar. Larguei tudo para vir cuidar dela. Por causa da lesão, ela dorme em qualquer lugar, o sono dela é muito pesado, então ela tem muitos problemas na coluna”, explica Valéria, que move um processo judicial para aposentar a irmã e garantir uma renda fixa. Solteiras e sem filhos, as duas já viviam sem o irmão e a mãe, e perderam o pai para a leucemia há três anos. Na companhia uma da outra, elas se fortalecem por meio do interesse mútuo de fazer o bem.

“Era para ser um desastre, né, tudo isso, mas a gente tenta fazer o mundo melhor”, diz Valéria. Com poucas condições financeiras para manter o trabalho, elas se sustentam com poucas doações, para elas e os animais. “Algumas pessoas ajudam com doação de ração e temos veterinárias que dão medicamento e castração, que é a forma de diminuir a população de animais abandonados na rua”, explica ela.

Mas para continuarem exercendo o voluntariado, o principal apoio delas é a reciclagem. Nos carrinhos de supermercado, elas separam garrafas PET, latas e outros materiais que pegam no caminho de volta para a casa. “Quando a gente termina de tratar da turma do setor Oeste, nós dormimos, e aí de manhã voltamos para casa. Durante o dia a gente fica catando recicláveis. Praticamente a gente não descansa, mas é recompensador ver que nenhum bichinho e pessoa passam fome”, relata Valéria.

As irmãs não medem esforços para garantir o conforto de praticamente todos os animais dos dois setores pelos quais caminham. “Nós não temos condição nenhuma para ajudar 230 mil animais abandonados de rua na cidade, mas Deus é incrível. Ele dá muita força para nós e vamos devagarzinho”, pontua Valéria. A vontade de ajudar é uma necessidade básica das duas e quando recebem algum tipo de doação para se alimentarem, pensam também nos outros.

“A gente doa comida quando vemos pessoal de rua, é uma troca de carinho. Quando ganhamos alimentos, tiramos só o que nós necessitamos e o resto damos para as outras pessoas que precisam”, acrescenta Valéria.

Risco

Mesmo com as ações beneficentes, as irmãs sofrem com alguns episódios de violência, como relata Valéria. “Nós conhecemos todos os moradores de rua no setor Oeste, mas alguns são mais agressivos e nos dão problema. Eu e minha irmã já apanhamos. Já tivemos de ligar para a polícia ir ao local, então a gente sofre muito também para dar comida para eles, não é tão fácil assim”, desabafa.

Valéria reconhece que o trabalho que faz ao lado da irmã é bonito, mas lamenta por ser solitário. No entanto, não tem intenção de parar tão cedo. “Se a gente tivesse condições, nosso trabalho poderia ser bem maior. Meu sonho é também ajudar pessoas que estão doentes, que vêm do interior para os hospitais e não têm dinheiro para comprar comida, mas para isto a gente teria de ter uma ONG”. (Foto: Fábio Lima)