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Nome de logradouros com nomes femininos em Goiânia é exceção

Levantamento do POPULAR mostra que mulheres são esquecidas quando o assunto é homenagem em espaços públicos, como praças e avenidas, em Goiânia

Castelo Branco, Pedro Ludovico, Anhanguera, Marechal Rondon e Assis Chateaubriand são alguns dos nomes que dividem espaço em Goiânia. Para chegar até os pontos principais da cidade é preciso cruzar um dos logradouros que homenageiam personalidades masculinas. O mesmo não ocorre com frequência com nomes femininos, que representam de 19% das ruas, avenidas e vielas da capital, enquanto 81% têm nomes masculinos. Diante de uma população formada por 52% de mulheres, segundo o último censo, os dados evidenciam a desigualdade de gênero em relação à cidadania, segundo especialistas.

O levantamento foi feito pelo Popular e leva em contas os espaços públicos que têm nome próprio, já que muitos lugares ainda não foram “batizados”. No caso dos parques, por exemplo, apenas 25% têm nomes femininos. Já em relação às praças, a Companhia de Urbanização do Município de Goiânia (Comurg), não encaminhou os dados exatos, mas estima que 19 delas homenageiam mulheres, em um universo de 1,3 mil praças urbanas na capital.

A realidade muda quando a avalição é sobre as escolas municipais. Ainda assim, a presença masculina é maior. De 358 escolas, 202 possuem nome próprio e, neste recorte, 90 são reservados às mulheres e 112 aos homens. A parcela restante leva nome de flores, rios, figuras religiosas, objetos, entre outros. Os colégios são o tipo de logradouro com o maior índice de presença feminina, destas, a grande maioria ocupa ou já ocupou cargos na área da educação.

Desse modo, poucas são as homenagens da capital, escolhidas pela Câmara Municipal, que trazem notoriedade a mulheres relevantes do país ou do estado fora do contexto religioso ou de parentesco com uma figura masculina. A professora e especialista em urbanização Maria Ester de Souza argumenta que “falar de urbanização na relação com mulheres está muito ligada ao jardim, ao paisagismo, lugares vistos como de menor importância, e por isso que as mulheres não configuram nas placas”, afirma.

Apesar de 85% dos profissionais de arquitetura serem mulheres no Brasil, o número ainda não é visto dentre as principais construtoras, por esse motivo também, a sub-representação dos espaços públicos continua presente. A mesma escassez é vista nas altas posições políticas nacionais, dado esse utilizado por especialistas para criticar o encaminhamento de novas homenagens para mulheres em Goiânia.

A antropóloga Luciana de Oliveira Dias, da Universidade Federal de Goiás (UFG), coordenadora do programa de pós-graduação em Direitos Humanos e do coletivo Rosa Parks, que possui o estudo de gênero como uma de suas pautas, explica a baixa listagem de homenagens às mulheres como decorrência de um contexto histórico. “As mulheres não despertam interesse na hora de nomear esses espaços públicos exatamente porque as relações que se afirmam são desiguais em uma sociedade caracterizada pela lei do patriarcado, que historicamente reduz as mulheres com relação aos homens”, diz.

No mesmo raciocínio, a historiadora e antropóloga Yordanna Lara Pereira alerta que a relação de espaço reservado de forma desequilibrada aos gêneros se soma às dificuldades de melhorias e efeitos sociais ligados ao machismo, que envolve altos índices de feminicídio e disparidade salarial entre homens e mulheres. “Através dessas ausências, podemos mapear os poderes e a mentalidade política que regem a cidade”, explica.

Homenagens têm perfil político

Com a influência de um viés político presente na decisão de denominar ambientes públicos, a socióloga e pesquisadora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Andréa Vettorassi percebe que a política se reflete em tudo que a sociedade é e pensa. “Quem é homenageado são os políticos que decidem, e homens representam nossa política majoritariamente”, diz.

Contudo, para ela, a mudança ocorre diante de um reforço na educação das pessoas sobre quem está nomeando os logradouros no município. “Muito mais do que uma lei, que seria uma institucionalização, seria interessante que pudéssemos refletir nas bases da nossa sociedade contemporânea sobre quem são essas mulheres”, argumenta.
À luz da antropologia, Luciana Dias concorda que o fenômeno social requer legislações já que dificilmente a igualdade virá de maneira espontânea. “Seria importante que a gente tivesse uma legislação que orientasse o respeito e a equidade de gênero no momento da nomeação desses lugares, porque homens e mulheres contribuem de maneira significativa na construção dos espaços públicos, homens e mulheres transitam nesses espaços.”, diz. Logo, a importância de processos de nomeação de ruas, monumentos e espaços públicos visaria considerar a necessidade de igualdade de gênero e equidade de oportunidades, explica ela.

O contexto afetivo da sociedade também é um ponto a ser explorado no processo de nomeação. Andréa relembra que o autor Charles Murray considerava os monumentos, logradouros e estabelecimentos públicos de uma cidade como “lugares da memória”. Assim, ela explica que são locais que propositalmente provocam uma noção de pertencimento da memória coletiva “e atribui identidade social enquanto cidadãos”. A socióloga ressalta que a subvalorização do nome feminino é historicamente construída e atinge a contemporaneidade em questões como a falta de representatividade.

Em caminhadas pela cidade, a pesquisadora afirma que já tinha reparado a discrepância do número de nomes por gênero. “Não tem como isso não afetar nossa cidadania, a maneira que a gente olha para os espaços públicos e a forma que a gente se relaciona em sociedade”, comenta. Seguindo o mesmo raciocínio que a urbanista Maria Ester, a socióloga reconhece que há uma evidente disparidade de localização em todos os logradouros, sendo os de nome feminino usualmente encontrados em lugares mais afastados da região central e de pouco movimento.

Coletivo luta por representatividade

Membro do coletivo Girl Up!, que luta pela igualdade de gênero, a estudante de ciências políticas da Universidade de Brasília (UnB) Marcela Barros sonha em seguir carreira política e acredita que a equidade de nomes homenageados despertariam desejos e interesses em jovens meninas. “A gente é movido pelo exemplo. Se meninas não veem os nomes de mulheres nesses locais, elas vão entender que seus nomes também não estarão ali”, diz. Para ela, existem avanços lentos na luta por igualdade requerida, principalmente, pelo movimento feministas. No entanto, ela compreende que mulheres ainda são vistas como frágeis e não devem ocupar espaços de poder.

“Tanto meninas, quanto meninos precisam ter a oportunidade de se sentirem inspirados por grandes nomes homenageados em ruas, praças e parques da cidade, e para que isso aconteça de modo igualitário, é preciso ver nomes de mulheres e homens na mesma proporção”, afirma a estudante.

O raciocínio corrobora a ideia de que a disputa silenciosa por espaço nas placas de Goiânia é uma questão de gênero para além dos nomes gravados, sendo a figura masculina implicitamente inserida mesmo nos nomes de mulheres escolhidos para configurar os logradouros de Goiânia.

Isso porque grande parte das nomeações escolhidas com base no feminino é de mulheres que possuem parentesco com algum homem visto socialmente de modo relevante, ou ainda, recaem em símbolos religiosos e popularmente aceitos, como as derivações da santificada Maria. Para Andréa, “não é uma coincidência que sejam mulheres parentes de políticos ou santas a serem nomeadas, isso diz muito sobre o que a gente legitima como bom e valoroso”, afirma.

“A identidade feminina valorizada é a mulher que está nos bastidores da representação bem sucedida de um homem ou a mulher pura, casta e santificada”, argumenta. Além disso, ela salienta que não se vê representações religiosas que não estejam no âmbito do cristianismo, sobretudo do catolicismo.

Tarsila do Amaral, Cora Coralina, Índia Diacuí, Cecília Meireles e Maria Henriqueta Péclat são algumas das mulheres homenageadas por mérito próprio. Mas há exemplos daquelas que têm o nome gravado em placas por causa da ligação com alguma autoridade masculina. É o caso, por exemplo, de Ana das Neves de Freitas, que dá nome a uma escola no Parque das Laranjeiras. Dona Ana era mãe do ex-prefeito Francisco de Freitas Castro, que assinou o decreto nomeando a unidade de ensino.
“Essas mulheres homenageadas normalmente estão à sombra de algum homem, esse processo é igualmente perverso, cruel e contribui para reprodução de relações desiguais.”, comenta a antropóloga Luciana de Oliveira Dias.

Culturalmente, segundo Marcela Barros, a sociedade não incentiva mulheres a ocuparem espaços de poder, e quando poucas delas conseguem chegar nesses espaços, não recebem destaque. Por esse motivo, é fundamental, na visão das entrevistadas, que as mulheres sejam representadas nas homenagens em logradouros públicos. E, principalmente, que se dê atenção às goianas notórias, que possam substituir homens historicamente prevalentes nas ruas da capital.

A historiadora e antropóloga Yordanna Lara Pereira salienta que o sistema público que rege a manutenção de nomeações possui um poder que retrocede na igualdade de gênero. “Ainda hoje, termos nomes de escravocratas e ditadores da ditadura em logradouros”, ressalta. Algo que pode ser atingido por meio de consultas públicas, explicam as entrevistadas, para que o reconhecimento das mulheres seja por suas próprias ações positivas, de modo a estabelecer maior igualdade de gênero no batismo de locais públicos. (Foto: Wesley Costa)